Sobre descascar Tangerinas e a Educação Especial

Talvez as pessoas só percebam o quanto é difícil "comer" quando têm filhos pequenos ou, como eu, quando cuidam de crianças. Nos esquecemos deste detalhe, mas não nascemos sabendo nos portar à mesa - e com esta afirmação eu não faço referência àqueles que não fizeram aulas de etiqueta. O que quero dizer é que pegar um chocolate com a mão e levá-lo até a boca enquanto a televisão está ligada é uma tarefa simples até mesmo para um recém nascido. Mas o "comer" do qual me refiro vai muito além disso. Falo de todo o ritual que envolve a hora da alimentação, seja no café da manhã, almoço ou jantar: 
sentar-se na cadeira, esperar que a comida chegue à mesa, segurar um talher, comer salada e, somente de vez em quando, batata frita com hambúrguer. Falo ainda sobre saber que a sobremesa só vem ao final, sobre limpar a boca com o guardanapo, sobre levantar-se e lavar as mãos se necessário. E entre cada uma dessas ações, existem outras tantas, como puxar a cadeira para sentar-se, permanecer sentado, saber diferenciar uma colher de um garfo, empurrar a cadeira para dentro da mesa ao levantar-se ou, simplesmente, mastigar e engolir. 
Ufa, quanta coisa não é verdade? Para um adulto comum, estas são tarefas tão simples como acordar, beber uma xícara de café e sair para trabalhar. Diria que até para uma criança comum - dessas que já controlam seus movimentos finos, que têm sua atenção desenvolvida e que possuem um sistema familiar e educacional que lhes estabelece regras e limites - "comer" é uma tarefa simples e automática. Tão simples que parece raro que alguém tenha que trabalhar ensinando este tipo de coisa. Mas é o que eu faço: trabalho em um comedor escolar em Barcelona e meu trabalho, dentre outras coisas, é ensinar crianças a comer.


Por incrível que pareça, meus alunos são crianças comuns, ainda que não sejam como as crianças que vocês estão acostumados a ver por aí, mas há milhões delas espalhados pelo mundo. O que acontece é que nem todas estão suficientemente integradas à sociedade e, por isso, talvez você não conheça nenhuma. Eu costumo chamá-las de "minhas crianças", mas você entenderá melhor este texto se eu disser que são alunos de Educação Especial: autismo, síndrome de down, TDAH e transtornos do desenvolvimento são apenas alguns dos diagnósticos com os quais lidamos na escola. Junto a uma equipe, ensino crianças a comer para que elas deixem de ser "nossas" e possam ser "do mundo", ou melhor, "delas mesmas". A independência ou a dependência parcial é o grande objetivo do nosso trabalho na escola, e não a adequação comportamental destes alunos - que nega a individualidade do ser e a sua expressão corporal fora do comum.

O que me motivou a escrever este texto foi porque hoje eu pude auxiliar a um menino de 10 anos, autista, a descascar uma tangerina, respeitando o seu espaço e o seu tempo. Para mim, era uma simples fruta. Para ele, uma bomba relógio difícil de desmontar. Seu cuidado, concentração e persistência eram tão evidentes que aquele momento mais parecia uma cirurgia de risco. E a mim coube apenas o papel de motivá-lo a seguir em frente. No final, uma vitória e um sorriso. Comemoramos aquela conquista juntos e, sem falar, ele quis descascar outra.

Concluo que a Educação Especial tem dessas: alguém especial que te torna um ser ainda mais Especial. Feliz em poder fazer parte disso e de poder comemorar as conquistas mais simples. 

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Tal vez la gente sólo percibe cuán difícil es comer cuando tienen hijos pequeños o, como yo, cuando cuidan a los niños. Nos olvidamos de este detalle, pero no nacemos sabiendo ponernos a la mesa - y con esta afirmación no hago referencia a aquellos que no hicieron clases de etiqueta. Lo que quiero decir es que tomar un chocolate con la mano y llevarlo hasta la boca mientras la televisión está ligada es una tarea sencilla incluso para un recién nacido. Pero el "comer" del que me refiero va mucho más allá. Hablo de todo el ritual que envuelve la hora de la alimentación, ya sea en el desayuno, almuerzo o cena:
Sentarse en la silla, esperar que la comida llegue a la mesa, sostener un cubertería, comer ensalada y, sólo de vez en cuando, patata frita con hamburguesa. También hablo de saber que el postre sólo viene al final, sobre limpiar la boca con la servilleta, sobre levantarse y lavarse las manos si es necesario. Y entre cada una de esas acciones, hay otras tantas, como tirar de la silla para sentarse, permanecer sentado, saber diferenciar una cuchara de un tenedor, empujar la silla hacia dentro de la mesa al levantarse o, simplemente, masticar y tragar.

Ufa, ¿cuánta cosa no es verdad? Para un adulto común, estas son tareas tan simples como despertar, beber una taza de café y salir a trabajar. Diría que incluso para un niño común -de las que ya controlan sus movimientos finos, que tienen su atención desarrollada y que poseen un sistema familiar y educativo que les establece reglas y límites - "comer" es una tarea simple y automática. Tan simple que parece raro que alguien tenga que trabajar enseñando este tipo de cosas. Pero es lo que yo hago: trabajo en un comedor escolar en Barcelona y mi trabajo, entre otras cosas, es enseñar a los niños a comer.

Por increíble que parezca, mis alumnos son niños comunes, aunque no sean como los niños que están acostumbrados a ver por ahí, pero hay millones de ellos esparcidos por el mundo. Lo que pasa es que no todas están suficientemente integradas a la sociedad y, por eso, tal vez usted no conozca ninguna. Por lo general llamo a ellos "mis niños", pero usted entender mejor este texto si digo que son alumnos de Educación Especial: el autismo, el síndrome de Down, el TDAH y los trastornos del desarrollo son sólo algunos de los diagnósticos con los que tratamos en la escuela. Junto a un equipo, enseño a los niños a comer para que dejen de ser "nuestros" y puedan ser "del mundo", o mejor, "de ellos mismos". La independencia o la dependencia parcial es el gran objetivo de nuestro trabajo en la escuela, y no la adecuación conductual de estos alumnos - que niega la individualidad del ser y su expresión corporal fuera de lo común.

Lo que me motivó a escribir este texto fue porque hoy pude auxiliar a un niño de 10 años, autista, a pelar una mandarina, respetando su espacio y su tiempo. Para mí, era una simple fruta. Para él, una bomba de reloj difícil de desmontar. Su cuidado, concentración y persistencia eran tan evidentes que aquel momento más parecía una cirugía de riesgo. A mí sólo le toca el papel de motivarlo a seguir adelante. Al final, una victoria y una sonrisa. Celebramos aquella conquista juntos y, sin hablar, quiso descascar otra.

Concluyo que la Educación Especial tiene de ellas: alguien especial que te hace un ser aún más Especial. Feliz en poder formar parte de eso y de poder conmemorar las conquistas más simples.

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