Resumindo: Memórias, Sonhos e Reflexões.

O livro "Memórias, Sonhos e Reflexões" de Carl Gustav Jung, era um dos livros que estava estacionado na minha estante, esperando o momento certo para ser lido. 
Trata-se da autobiografia/autoanálise de Jung, onde não houve medição das palavras. Ele foi minucioso, expôs os mínimos detalhes, foi prolixo e nada objetivo - mas não há como esperar o contrário numa análise. 
Na minha opinião, o que torna este livro incrível são, basicamente, os capítulos que falam sobre a Atividade Psiquiátrica e sobre a aproximação que Jung teve como Sigmund Freud. O Encontro com o Inconsciente e as Cartas finais também me chamaram atenção. Os demais capítulos tratam mais sobre a infância, anos escolares, temas afins e detalhes da vida de Jung, relatando como ele formulou sua teoria.
São 360 páginas, densas, de pura vida e obra. Se por um lado esta riqueza de detalhes é positiva para o entendimento – jamais completo – do que se passou na cabeça de Jung em todos estes anos, por outro lado, ler estes detalhes torna, em parte, a leitura um pouco maçante. Meu conselho: antes da leitura, beba uma xícara de café e tenha em mãos um bom marcador de texto (ou dois). 

Aqui eu trago, resumidamente, pontos do que julgo mais importante. Caso você queira saber mais profundamente sobre os conceitos jungianos, este não é o livro que você procura. Mas se você, assim como eu, admira Jung e tem interesse em saber sobre sua história de vida, sim, este é um livro riquíssimo. 

 “Minha vida é a história de um inconsciente que se realizou.” (Jung, p.19)

Jung nasceu em 1875 e, desde a sua infância, era muito ligado à religião e aos sonhos que tinha. Foi no início do século seguinte, quando Freud descobriu o inconsciente, que Jung começou a se formar. O inconsciente foi um marco, portanto, não só para a psicologia, mas para o próprio Jung, determinando o fluxo de sua vida. Ele não só explicou os mitos, os símbolos e o inconsciente coletivo, como se explicou em função disso.
Foi Freud também um dos primeiros a introduzir a questão da psicologia na psiquiatria. Até então, os doentes mentais eram analisados somente em seus sintomas e com o objetivo de se fechar um diagnóstico. O lado humano do atendimento, em ver cada doente como um indivíduo, não existia até então. Este foi um dos pontos que fez de Jung um grande admirador das pesquisas e trabalhos de Freud, pois ele compartilhava desta ideia, e passou a seguir esta ideologia, com sucesso, em sua prática clínica.
Com isso, Jung também estava mostrando ao mundo um novo método de atender seus pacientes, o método analítico. Aos poucos, os demais profissionais começaram a se interessar e a querer descobrir quais as regras para estes atendimentos. No entanto, Jung evitava ser sistemático, pois acreditava que cada doente exigia o emprego de uma linguagem diferente. Além disso, ele não tinha pretensão de confirmar sua teoria, mas de fazer com que o paciente compreendesse a si mesmo. Jung defendia também que o terapeuta conhecesse a si próprio, e não apenas ao doente, pois acreditava que somente quando dominamos os próprios problemas, é que se torna possível o cuidado ao paciente.
Freud à esquerda e Junga à direita.
O ponto alto deste livro é, a meu ver, o encontro de Jung com Freud. Jung abordou sua relação com ele e as viagens que fizeram juntos. É um capítulo maravilhoso, em que é possível perceber que existia ali uma relação autêntica de amizade, mas que havia também um conflito, pois desde o início era forte a diferença nos pontos de vista sobre os traumas sexuais e a libido. Chego a dizer que, mesmo com diferentes convicções, Jung foi o maior fã e admirador do trabalho de Freud – e isto perdurou após a ruptura dos dois. Foi de tanto escrever sobre ele que Jung foi convidado pelo próprio Freud para uma conversa que mudaria o rumo de sua vida. A admiração era tamanha que Jung aceitou correr os riscos que aquilo lhe proporcionava, afinal, naquela época, Freud não era visto com bons olhos pela sociedade conservadora, que não aceitou de forma harmoniosa sua teoria acerca da sexualidade infantil. Era arriscado para a formação de Jung seu contato com Freud, mas ainda assim ele o fez.
Jung coloca que via em Freud “um grande homem”, inteligente, mais velho e maduro – como um pai. Dizia que aquela amizade era muito preciosa para ele e que não se sentia à altura do mestre para manter qualquer discussão. Ele admirava o fato de Freud acreditar tão fielmente em sua teoria da sexualidade, mas, até certo ponto, isto o assustava. Jung tinha dúvidas sobre até que ponto a necessidade de tornar esta teoria um dogma não representava uma vontade de poder pessoal. Além disso, Jung começou a desconfiar que o próprio Freud sofria de uma neurose, pois o tema da sexualidade era muito presente e havia se apoderado dele.
Seu conflito interno se deu porque Jung estava tão impressionado pela personalidade de Freud, que renunciou seu próprio julgamento. Não se sentia qualificado para confrontá-lo e ao mesmo tempo, temia perder sua amizade. Mas no fundo ele sabia que não devia calar seu modo de pensar e assim o fez: “rompeu” sua relação com Freud.
Por muito tempo, quando ouvi falar da ruptura de Freud e Jung, acreditava que eles tivessem se tornado inimigos ou coisa parecida. Minha surpresa foi ver que nada disso ocorreu. Até o fim de sua vida, Jung fez grandes observações sobre Freud, reconhecendo sua coragem em lançar uma teoria tão inovadora e as consequências positivas do seu trabalho, e este último sempre lhe escreveu cartas assinando, por vezes, como “Seu amigo fiel, Freud” e dizendo-lhe que: “cada qual tem a razão de obedecer ao encadeamento de seus impulsos.” (p. 319). Isto mostra que apesar de discordarem um do outro, havia o respeito mútuo.

OBS: Este capítulo me valeu o livro inteiro. 

Após a ruptura, Jung descreve a sua desorientação e o período em que se manteve em sua autoanálise, com a interpretação de seus sonhos. Descreveu seus medos e sua quase passagem para o mundo da loucura e desordem: o inconsciente. Descreveu também como ocorreu seu contato com a alquimia e como esta temática tem total ligação com sua teoria. Jung percebeu que a alquimia lidava com símbolos históricos e, para ele, que já pensava nos arquétipos e no inconsciente coletivo, aquilo lhe caiu como uma luva e lhe deu embasamento para seu método analítico e para o conhecimento de si próprio. Foi neste momento, afirma ele, que começou a seguir seu próprio caminho e, enfim, a escrever sobre os Tipos Psicológicos, sobre sua teoria da Libido, sobre o processo de individuação, anima e animus, e sobre os mitos. E assim nasceu um mestre. 

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