Sobre a Morte e o "Não Saber".

Esta semana me deparei com um senhor sentado numa poça de urina no meio da calçada. Ele estava mal vestido, babando, não conseguia levantar e tinha o olhar de quem pedia ajuda. Não pude conter minha preocupação em torno de sua fragilidade e me aproximei dele. Como pensei que se tratava de um caso de abandono, pedi sua permissão para tirar uma foto e ali, em meio ao ponto de ônibus, iniciamos um diálogo.
Não era de se estranhar que o senhor G. não estava lúcido. Ainda assim, sua necessidade de conversar se fazia evidente pois seus olhos não se desconectaram dos meus. Mas a dificuldade em verbalizar dificultava também a compreensão das palavras. Não demorou muito para que ele começasse a chorar e, para o meu espanto, pude entendê-lo dizer com clareza: “Minha filha, eu estou com medo da morte”.
Aquelas palavras me pegaram de surpresa. Não havia como dar início a uma terapia breve em plena avenida, até porque àquela altura da conversa, curiosos já haviam se aproximado e, no ímpeto de ajudar, faziam muitas perguntas ao mesmo tempo e insistiam que aquilo devia ser depressão, alcoolismo, diabetes, hipertensão, hipoglicemia e o que mais viesse na cabeça. Então, coube a mim deixar bem claro que eu estava ali com ele para ajudá-lo e o acalmei da maneira que pude até que a ambulância chegasse.

...Mas aquelas palavras não saíram da minha cabeça.

Apesar da morte ser natural, ela ainda é um tabu. As pessoas fogem deste tema e há inclusive quem bata na madeira três vezes quando ele vem à tona. Isso porque, além da morte ir contra o nosso instinto de conservação, de preservação da vida, ela é vazia, é o nada, é a não existência. Ou seja, sabemos da vida, mas a morte é um mistério, e o mistério assusta.
Penso que a questão principal é que nós, seres humanos, não suportamos o "não saber". Esta necessidade de ter todas as respostas na mão, acompanhada do desejo inconsciente de ser imortal, nos faz entrar em conflito quando nos deparamos com a morte. Não é à toa que a humanidade criou teorias, com ou sem embasamento religioso, para lidar com isso. Já outras pessoas ainda não descobriram como lidar com ela, e isto gera sofrimento.
É a ideia de finitude que nos apavora e, por isso, existe dentro de nós uma necessidade de dar continuidade à vida. Para uns, tem gente que vai viver no céu, para outros, tem gente que vira estrela... Mas deixar de existir está fora de questão.

– (...) Morra no momento certo. Viva enquanto viver! A morte perde seu terror quando se morre depois de consumida a própria vida. Caso não se viva no tempo certo, então nunca se conseguirá morrer no momento certo. (...) Você viveu sua vida? Ou foi vivido por ela?” 
–Quando Nietzsche Chorou.


*Senhor G. foi levado ao hospital. Encontramos sua esposa e ela confirmou que ele era depressivo e que havia misturado álcool com o remédio controlado. Ele não havia sido abandonado. Apenas passou mal quando voltava para casa. 


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